Tecnologia além testar conhecimentos
“A discussão da inovação na educação é uma discussão técnica de inventar novas tecnologias, mas também política em relação às escolhas que a gente faz e como a gente quer que a nossa sociedade se configure.” A declaração do professor associado de Comunicações, Mídia e Design de Tecnologia de Aprendizagem da Columbia University Paulo Blikstein provocou reflexões durante o segundo e último dia de programação do Seminário Internacional SESI SENAI de Educação.
No painel “A escola como espaço de inovação e transformação”, Blikstein trouxe para debate a ideia de que o problema da educação está relacionado à transmissão de conhecimento. Segundo ele, muitas empresas de tecnologia desenvolvem produtos que apenas testam os conteúdos e não promovem autonomia.
“É uma ideia de transmissão bancária: colocar dentro do aluno os conhecimentos que já existem. A gente tem que olhar para os aplicativos e pensar qual fatia corresponde à educação. Essas tecnologias não são ruins. Temos que entender para que são boas e onde cabem nos nossos sistemas educacionais”, exemplificou. “Quando a gente fala de tecnologia temos que tomar cuidado para não criar controles que tiram a autonomia do aluno.”
As desigualdades criadas pela tecnologia
Ao falar também sobre as disparidades que a tecnologia provoca entre escolas públicas e particulares, Paulo Blikstein afirmou que “o grande desafio que a gente tem hoje não é pensar como vai ser a escola do futuro, mas democratizar o que funciona e existe”.
Paulo Mól, diretor de Operações do SESI, ficou por conta da mediação do painel e destacou a iniciativa do museu interativo SESI Lab e como o contato que os jovens do Distrito Federal têm ao visitar o laboratório de inovação é um passo importante. “Eu falo que toda criança precisa disso e nossa missão é criar condições para que as ações do SESI transbordem”, pontuou.
O professor associado da Columbia University Paulo Blikstein encerrou com a provocação: “O que seria do Brasil se toda a criança tivesse acesso a isso? Se a gente tivesse milhões de crianças realizando suas paixões intelectuais e sentindo que suas ideias são valorizadas?”.
Tecnologia, diversidade e futuro: o que os palestrantes tiveram para contribuir
A mesa também contou com a participação do gerente de Assuntos Governamentais da BMW do Brasil, Saulo Marquezini, da professora do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) Sônia Guimarães e do membro do Conselho Deliberativo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Luciano Sathler. Eles abordaram temas como inclusão, diversidade, o papel do professor, integração entre empresas e escolas e as mudanças tecnológicas pós-pandemia em suas falas. Confira os destaques:
Luciano Sathler, reitor e membro do Conselho Deliberativo do CNPq e membro do Conselho Científico da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED)
“Nós temos três grandes crises a enfrentar na educação, e eu vejo crise como oportunidade. A crise da aprendizagem, porque vivemos na época da distração. Segundo, a crise da saúde mental. Não adianta ensinar nada se a gente não gastar tempo para as pessoas se recomporem emocionalmente. Desde a educação infantil ao ensino médio, isso está acontecendo em sala de aula. Por fim, a crise do mundo do trabalho.”
Sônia Guimarães, física e 1ª mulher negra a lecionar no ITA
“Eu faço um experimento que os alunos têm que construir um helicóptero do zero com coisas que eles encontram em casa e colocá-lo para funcionar. Eu quero que eles me expliquem fisicamente o que está acontecendo, porque o helicóptero sobe, como a teoria que ele aprendeu está sendo apresentada no experimento. Só que muitos dos meus alunos nunca entraram em laboratório. O objetivo dessas escolas de ensino médio que preparam os alunos para o ITA é fazer cálculo e responder perguntas. Não precisa entender a física, tem só que responder à pergunta corretamente para passar no vestibular. Aí eles entram e fazem uma aula de laboratório e ficam perdidos.”
Saulo Marquezini, gerente de Assuntos Governamentais da BMW do Brasil
“A gente precisa conduzir a educação para a dor. Qual é o problema que a gente tem? Levamos um problema da BMW para a escola com o projeto Grand Prix de Inovação Escola S. Os ganhadores puderam passar um dia com a gente. O setor produtivo precisa dessa integração junto com a escola. Podemos trabalhar juntos e solucionar problemas.”
Educação Profissional e o futuro do trabalho
Eduardo Lopez, presidente da Google Cloud para América Latina
“Vamos fazer um acordo de cooperação com o SESI e o SENAI e a Google Cloud. Vamos trabalhar num acordo grande para transformar no Brasil o ensino de tecnologia em nuvem já que o SENAI está em 5 mil municípios do Brasil. Vamos focar no trabalho da indústria, na educação dos estudantes, como ajudar a sua empresa, ter uma plataforma que permite interação entre todas as unidades de ensino e uma educação integrada.”
Getúlio Ferreira Marques, secretário da Setec/MEC
“A educação pública tem carência de recursos, não consegue dar conta do todo. Simplesmente, as instituições que são super respeitadas, que estão mais próximas do setor produtivo, como o Sistema S, estão à frente. Se a gente não tiver um fundo de financiamento, vamos continuar por anos com essa dicotomia. Um sistema bem avançado e nós também com muita competência e capital humano no mesmo nível dos que fazem o Sistema S, mas sem as condições efetivas para que a gente avance.”
Ramon Iriarte, especialista em educação profissional para a América Latina e Caribe (OREALC/UNESCO)
“Acabamos de sair da pandemia, foram anos difíceis. A educação técnica e profissional tem que ser uma modalidade que nos ajude. Um dos desafios a curto prazo é como conseguir desenvolver essas novas habilidades que nos ajudem a sair da recessão econômica que muitos países enfrentam.”
Cristiana Ferreira de Farias, gerente de RH da Stellantis South America
“Nós tivemos um game sobre valores e comportamento, onde nós tínhamos um avatar personalizado trabalhando de maneira sutil os princípios de diversidade e inclusão. Isso foi pra gente um aprendizado e que estamos estendendo para outros programas. Esse é um exemplo prático de como colocar dentro de um treinamento diversos valores e como o empregado responde de forma positiva. Essa atividade está agregando valor para a vida pessoal e profissional. Muito do que a gente desenvolve hoje dentro de empresas é levado para a família. Precisamos pensar como a gente pode pensar num conteúdo que vá além da empresa, que chegue até a família e que isso desenvolva, consequentemente, o país e a sociedade.”
Felipe Morgado, superintendente de Educação Profissional e Superior do SENAI Nacional
“O Brasil precisa muito da educação profissional. O primeiro desafio é acompanhar a dinâmica do futuro do trabalho. Como a tecnologia está avançando e como a gente consegue acompanhar essa transformação. Mas se esse fosse o único desafio, conseguiríamos alcançar. Mas temos um segundo desafio da ampliação da oferta da educação profissional. O Brasil tem apenas 9% dos estudantes que fazem o ensino médio com a educação profissional.”
Formação de professores como estratégia para uma educação de qualidade
Wisley Pereira, gerente executivo de Educação do SESI Nacional
“Essa é uma mesa de peso, sou eu e quarto mulheres. Isso é muito significativo, porque no Brasil a responsabilidade da educação durante grande parte do processo de ensino-aprendizagem é feita por mulheres e não poderia ser diferente nessa mesa.”
Rachel Lotan, professora emérita da Faculdade de Educação de Stanford
“Quando você conversa com professores e pergunta como foi a sua formação, com a experiência que tenho todos sempre dizem que foram para a universidade e que não havia conexão com o que aprendeu e o que viu em sala de aula. É importante conectar a teoria e a prática. Todos os meus alunos leram Paulo Freire, e nós afirmamos que formar a próxima geração de professores é um trabalho conjunto. As universidades e as escolas precisam estar em constante interação e comunicação.”
Raquel Teixeira, secretária de Educação do Rio Grande do Sul
“O professor, além da complexidade do processo, lida com um universo de 30 alunos cada um num universo diferente. Nenhum outro profissional tem esse desafio desse tamanho. O médico quando está operando tem foco só num paciente. O professor tem vários ao lado dele para quem tem que prestar atenção individualizada.”
Kátia Smole, diretora executiva do Instituto Reuna e ex-secretária de Educação Básica do MEC
“Os professores precisam saber para onde eles vão para além dessa história de progredir fazendo cursos. Eu preciso entender que a formação e o desenvolvimento profissional me levam para algum lugar. Quem não sabe para onde vai, faz qualquer curso.”
Cybele Amado, diretora-geral do Instituto Anísio Teixeira da Secretaria de Estado da Educação da Bahia
“A formação continuada é uma formação profissional, um direito de todos os professores garantido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A formação continuada não é pra resolver os problemas da formação inicial, ela faz parte da nossa prática profissional, tendo em vista os conteúdos da contemporaneidade que vivemos ao longo da vida.”