Robótica inclusão dentro arenas
“Fala, galera! Tudo bem? João Lima na área!” É assim que o jovem radialista, de 18 anos, inicia as transmissões ao vivo na rádio Nova Cultura. Nascido e criado em Lorena, pequeno município de São Paulo, a voz de João ecoa nas casas dos quase 90 mil habitantes da região.
Por trás do carisma e do microfone existe uma história. Desde criança, o audiovisual encantou o menino, apesar de ter nascido com uma má formação no cérebro que compromete 87% da sua visão. “Eu tenho um olho bom, mas tenho dificuldade na ligação do nervo”, explica.
Além da locução, o paulista também é responsável por mantes as redes sociais da rádio atualizadas. “O engraçado é que eu trabalho com identidade visual sendo deficiente visual. As pessoas acham irônico e realmente é”, brinca.
Para ajudar na tarefa, João usa aplicativos de voz que permitem que ele escreva e edite vídeos. O jovem só precisa de ajuda de outra pessoa para criar as artes das publicações.
Quebrar paradigmas parece ser o hobby do estudante, que foi o primeiro deficiente visual a ingressar na faculdade que escolheu – o Centro Universitário Unifatea. Ali, conquistou uma bolsa integral no curso de rádio e TV. Até chegar à robótica, onde atualmente é mentor, muita coisa aconteceu.
Foi por meio do curso técnico que as portas da robótica se abriram para João. Como tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), João escolheu falar da inclusão dos estudantes com deficiência visual no ensino médio.
“Fui fazer esse trabalho na escola que o time de robótica fica e, dentro desse processo, fui convidado pelo diretor para ser mentor da equipe”, lembra.
Há um ano, João se tornou mentor e responsável pelo marketing da equipe de FIRST Robotics Competition (FRC) Wolf Army Robotics, da escola estadual Arnolfo Azevedo, de Lorena. Ele conta que o desafio foi o que o motivou a entrar para a robótica. Brinca e sorri ao dizer que a vida não tem graça sem desafio.
“A robótica é para todo mundo, é de todos, para todos. E é muito legal ver isso na prática, porque somos uma equipe de superação. Pegamos o melhor em cada um e o que tem de dificuldade, juntamos e superamos”, destaca.
Mãos que narram
O robô da equipe de João pesa 48 quilos, funciona por meio de pneumático (gás), tem um braço com motor giroscópio, que ajuda na orientação, e usa metalon, um material mais leve, que facilita a locomoção. A maioria dessas peças é reaproveitada.
João enxerga os detalhes com as mãos. “Vejo um robô consideravelmente grande, bem trabalhado, tem alguns adesivos. Consigo sentir o braço dele, a fiação. Sinto que tem rodinhas. Ao tocar o robô eu tenho uma sensação de conquista, porque batalhamos muito para desenvolvê-lo”, descreve.
Com a autorização dos juízes, João pode entrar na arena da categoria e tocar nos elementos. “Antes eu só sabia que os robôs tinham que pontuar colocando cones em três bases. Agora, consigo entender melhor a partida e o processo do nosso robô.”
Conhecemos João durante o 5º Festival SESI de Robótica, que ocorreu no estádio Mané Garrincha, em Brasília. Durante a entrevista, perguntei se o menino já tinha entrado em um campo de futebol e ele respondeu que não. No jornalismo, o ideal é não se envolver com a história dos personagens, mas falei sem pensar: “Me espera, vou tentar levar você no gramado”.
Foi assim que o menino de Lorena entrou em campo pela primeira vez na vida.
Robótica = inclusão
João não é a única pessoa com deficiência da equipe. O cadeirante Andrey Vieira, 20 anos, é responsável pela área de marketing.
Aos 10 anos, Andrey sofreu uma complicação pós-cirúrgica que deixou sequelas motoras, afetando a fala, a movimentação e parte da visão dele. O jovem entrou na robótica para fazer novas amizades e conquistou também a independência, como explica a mãe dele, Andreia Vieira.
“Ele vai sozinho com a cadeira motorizada. Para ele, a robótica é um incentivo.”
A educação como um motor de superação
Se tem um sentimento que a robótica provoca nas pessoas é a busca pela superação. Seja na quebra de paradigmas ou pela inovação, ela é responsável por esse movimento de não ficar parado, de seguir aprendendo.
A robótica trouxe esse novo desafio para o estudante Rafael Rochenbach, 18 anos, do segundo ano do ensino médio da Escola SESI de São José, Grande Florianópolis (SC). “Tá sendo uma experiência bem legal, quase chorei nas competições”, relata.
Quem acompanha o Rafael nas atividades na escola é a professora de educação inclusiva Trielli Johas. O trabalho dela é fazer uma ponte entre a escola e a família, e, claro, se dedicar ao desempenho do Rafa. “A escola não faz a educação sozinha. Quando a gente fala sobre educação inclusiva, isso ganha uma importância ainda maior”, explica.
Quando o Rafa quis entrar na robótica, Trielli cumpriu seu papel ao incentivá-lo nesse desafio. “Primeiro ele quis se inscrever pra FLL, depois pra F1 in Schools. Estou com ele participando de todo o processo. O SESI dá, de fato, o apoio e as ferramentas que os alunos da educação inclusiva precisam”, conta.
O incentivo também vem de dentro de casa. “Somos pais extremamente participativos, constantemente com ele e exigindo dele, que ele faça parte, sozinho, mas temos que dar o apoio. E eu preciso desse lado da escola”, conta o pai coruja, Wilson Rochenbach.
Wilson chegou na Escola SESI de São José em busca de uma vaga para o filho e conta que a escola tem sido um espaço de crescimento contínuo para o adolescente, como a oportunidade de entrar para um time de robótica e disputar o torneio nacional.
“O Rafael fez todos os testes e passou. Não foi assim, ‘ah, vai’. Não. Ele fez os testes para ser aprovado. Eu percebo que o Rafa tá em constante crescimento, ele participa, ele tem uma visão, um olhar mais aberto pro mundo e para as coisas”, conta, orgulhoso.
Acessibilidade para conhecer a robótica
Robótica inclusão dentro arenas
E a acessibilidade também precisa ser realidade pra quem nunca ouviu falar sobre o universo da robótica, como a Roseane Matos, 39 anos, que aproveitou o Festival para conhecer os robôs de perto e curtir com a família.
Roseane teve uma vida repleta de desafios desde o nascimento. Até os 10 anos, passou por 18 cirurgias. A mais recente, no entanto, foi por um bom motivo: trazer seu filho Davi ao mundo.
O menino, de 12 anos, já conhecia a robótica e se diz um apaixonado pela ciência. Juntos, eles aproveitaram as visitas guiadas com acessibilidade oferecidas no evento.
Quem também aproveitou as visitas guiadas para pessoas com deficiência foi Felipe Brumano, que tem Síndrome de Down. Ele participou das oficinas de criação do Espaço SESI Lab, uma réplica do museu interativo de ciências do SESI que foi instalado no estádio.
“Eu fiz um foguete, foi muito legal. Tô feliz! Fiz amigos espaciais”, contou Felipe.
A coordenadora da ONG Amigos Especiais, Dayanne Ribeiro, que levou um grupo para conhecer o Festival, conta que a experiência foi enriquecedora. “Nos sentimos muito acolhidos. Infelizmente não é em todos os lugares que realmente ocorre a inclusão, mas aqui foi diferente. É importante que as pessoas se conscientizem que ser diferente é normal e as pessoas têm que entender que tem lugar para todos”, acredita