ESG consequência Cedro lean
É de surpreender que a palavra kaizen seja tão repetida na Cooperativa de Trabalho e Produção Artesanal (Cooprarte) de Pirapora, cidade a pouco mais de 400 km ao Norte de Belo Horizonte (MG). Ali, onde pelo menos 20 cooperados trabalham na coleta, triagem, prensa e distribuição de materiais recicláveis, a expressão japonesa funciona como uma espécie de marco temporal. Tem o antes e o depois do kaizen.
Quando o engenheiro Taiichi Ohno e sua equipe desenvolveram a metodologia lean manufacturing, na qual o kaizen é como um mantra, talvez eles soubessem que muito em breve que a novidade se difundiria por milhares de outras fábricas além da Toyota, onde tudo começou na década de 1950, no Japão.
Certamente, não estava nos cálculos que a invenção deles ajudaria a melhorar a vida de tanta gente, incluindo os 56 mil habitantes de Pirapora.
A cidade é uma das quatro no interior de Minas Gerais onde a Cedro, uma das maiores e mais antigas indústrias têxteis do país, tem fábricas. A filosofia do lean e seus preceitos de melhoria contínua, redução de desperdício, qualidade do produto e produção no tempo certo estrearam na empresa há mais de 15 anos.
Tais pilares dependem da reorganização dos processos, do engajamento das pessoas e de nunca parar de procurar o que pode ser aperfeiçoado.
Esse é o significado de kaizen, expressão onipresente quando o assunto é produção enxuta, o termo tropical para lean. No dia a dia, sempre que uma ação é implementada, seja uma nova forma de regular uma máquina ou a reorganização de peças, conta como um kaizen.
Na Cedro, a metodologia deu tão certo que o desafio lançado pelo diretor-presidente da empresa, Marco Branquinho, foi que os 3,5 mil funcionários das quatro plantas ultrapassassem 15 mil kaizens em dois anos.
“O desperdício de material, de pessoas, máquina parada, de tempo, essas coisas incomodam as pessoas hoje. Você não precisa mais de um supervisor para administrar isso, o próprio colaborador é dono disso também. Virou cultura da empresa”, diz Branquinho.
Em uma operação industrial, faz muito sentido e os resultados são evidentes. Um dos indícios é o estoque. Em 2007, a empresa contava com estoque de 60 dias de produção e capacidade de atender a 80% dos prazos combinados. Em 2022, a Cedro trabalha com estoque de 10 dias de produção e cumpre 95% dos prazos.
Um dia, um colaborador da limpeza pediu 2 metros de tubo. Assim, ligou a saída da pia nos mictórios para reaproveitar a água na descarga. Começou em uma fábrica e acabou sendo uma solução para economizar nas quatro plantas da Cedro. Nesses 15 anos de lean, foram mais de 62 mil kaizens.
Um desperdício, no entanto, era persistente: aplicar a filosofia e colher os benefícios só da porta para dentro da fábrica. Aí veio a ideia de implementar ações na comunidade, de forma voluntária e espontânea.
“Veio aquele estalo. O desafio é aproveitar a sua disponibilidade para levar para a comunidade algo de impacto baseado no conhecimento que a empresa te deu”, resume Branquinho. Assim nasceu o projeto Kaizen Socioambiental, com a audaciosa meta de fazer 3,5 mil ações até o fim de 2023.
Onde há lean, não há lixo
A Cooprarte já era parceira na coleta de resíduos plásticos e de papel da Cedro havia anos. A cooperativa passou por maus bocados, sobretudo a partir de 2011, quando um incêndio destruiu equipamentos e parte do galpão, adquiridos com recursos do BNDES.
Parecia uma ótima candidata ao kaizen para o coordenador do Sistema de Gestão Integrado Cooperativo da Cedro, Adriano Alves.
O trabalho começou como um projeto clássico de lean: tirar uma foto da realidade e listar as necessidades básicas. “Vimos uma infraestrutura muito precária, falta de equipamentos de proteção, espaços mal preparados para o trabalho dos catadores”, diz Alves. Formou-se uma força tarefa tanto de voluntários da Cedro como de parceiros e fornecedores da empresa para fazer os primeiros reparos e fornecer materiais e produtos necessários pra transformar o local.
“Conseguimos conectar várias pequenas e médias empresas para trazer um ambiente digno de trabalho, trazer a sensibilização das grandes empresas para atuar junto. Fazer parte disso é colocar a cabeça no travesseiro de forma diferente, sentir que você está cumprindo uma missão, ajudando a transformar a realidade”, explica Alves, funcionário da Cedro há 20 anos.
Com a mobilização, o espaço foi limpo, pintado e organizado, as áreas de trabalho redefinidas e os processos revisitados. Na cabeça da vice-presidente da Cooprarte, Maria de Fátima Rodrigues de Queiroz, a comparação possível é como se um desejo tivesse sido concedido por um gênio da lâmpada.
“Eu sonhava com a cooperativa do jeito que está hoje. Sonhava com o pátio limpo, organizado. Toda vez que chego aqui hoje é um sonho, é uma alegria. Mudou a vida de todos os cooperados”
A parte administrativa também passou por avaliação. Mudanças burocráticas, como o enquadramento correto de atividade econômica, trouxeram benefícios reais: a redução na alíquota de contribuição previdenciária e mais renda aos 20 cooperados. “As pessoas achavam que isso aqui que era o lixão, não uma cooperativa. Adriano num pode ver um pedacinho de papel no chão que já chama a atenção” lembra José Carlos da Silva, presidente da Cooprarte.
Agora, os voluntários e a cooperativa estão discutindo estratégias com a Prefeitura de Pirapora para modernizar as esteiras de triagem e os caminhões de coleta de lixo, assim como ações educativas para a população. “Ainda tem muito o que fazer, não estamos no ponto ideal. Mas queremos construir junto com eles esse conhecimento e fazer com que tudo isso seja sustentável ao longo do tempo”, afirma Alves.
Fátima acredita que a transformação ajuda a valorizar o trabalho da cooperativa.
“Estamos no município desde 2000, nunca paramos, é uma história muito bonita. Passamos por muita luta e com essa ajuda a tendência é só melhorar. Eu vou te falar: o que fazemos aqui é um trabalho que precisa ser muito valorizado. Nós damos vida ao aterro, limpamos a cidade, as fábricas. Quando você conhece a história de cada um aqui, não tem como não se envolver.”
Conheça a horta enxuta
Da meta de 3,5 mil ações, quase 700 já saíram do papel. Nem todas são tão grandes quanto a da Cooprarte, nem essa é a prerrogativa do Kaizen Socioambiental. O importante é fazer e fazer a diferença.
Na pequena Caetanópolis, cidade a 100km ao norte de Belo Horizonte, há outra planta da Cedro. Os pouco mais de 10 mil habitantes da cidade só contam com uma creche para crianças de até 3 anos. A Creche Clara Nunes é mantida por um grupo espírita e vive de doações.
Foi lá que a analista de Sistema de Gestão Integrado Gésica Carolina Teixeira da Silva viu uma chance de melhoria, transformando uma área inutilizada (e custosa) do quintal.
“Tivemos a ideia de fazer uma horta para trazer renda e alimentação de qualidade. Além de reduzir a despesa da creche, os alimentos são orgânicos, as crianças interagem e o que não é consumido é vendidos”, explica.
Ela e outros voluntários limparam o terreno, prepararam as áreas de plantio, conseguiram sementes e trouxeram métodos simples e econômicos de irrigação. As safras são rotativas e sazonais. Até agora, já se colheu verduras variadas, alface, couve, tomate, beterraba, mostarda, limão e mexerica.
“Eu fico orgulhosa, muito orgulhosa. A gente vê o problema como oportunidade de melhoria, então vejo como isso já faz parte do nosso pensamento. E propagar o benefício do kaizen para fora da fábrica ajuda a empresa e ajuda as comunidades, faz muita diferença”, avalia Gésica.
ESG: quando a sigla é consequência
Marco Branquinho chegou à fábrica da Toyota no Japão, em 2019, muito confiante que impressionaria os pais do lean com seus números: um kaizen por ano por colaborador. “Aí, o engenheiro da Toyota olhou pra mim e disse: muito bom! Aqui a gente também faz. Um por empregado. Por mês”, relembra. Entre se sentir arrasado e se sentir desafiado, Branquinho ficou com a segunda opção.
O espírito sadio de competitividade fez com que o sarrafo do lean subisse dentro da Cedro. A meta passou pra 10 mil ações por ano. Em 2020, no primeiro ano da pandemia, que obrigou as fábricas a parar quase 3 meses, foram 6,2 mil ações. No ano seguinte, 10,8 mil. A meta atual é de 15 mil kaizens, o que inclui as 3,5 mil ações do kaizen socioambiental.
Para o diretor-presidente da Cedro, o projeto ajudou a empresa, as cidades onde as fábricas estão instaladas e, mais importante que isso, transformou os funcionários da empresa em vetores de mudança.
“A missão da empresa é pautada por três eixos: resultado, reputação e respeito. A gente entende que, quando o assunto é sustentabilidade do negócio, conseguimos ser bons para o ambiente se estabelecemos relações saudáveis com o ambiente em que estamos. Temos 3,5 mil agentes de transformação. A contribuição mais transformadora é a da cultura. Primeiro vem a ação, depois o reconhecimento em si. As letras ESG (governança ambiental, social e corporativa) vêm como consequência”, afirma.
ESG consequência Cedro lean