Matupá, MT – De um lado, a lavoura do milho prestes a ser colhido. Do outro, a vegetação nativa do cerrado. Neste cenário simbólico em Matupá, no Mato Grosso, composto de commodity e floresta, aconteceu o lançamento da primeira calculadora de mensuração de pegada de carbono no Brasil, voltada para quantificar as emissões ao longo de toda a cadeia produtiva da soja. E mais: inteiramente pensada para a realidade do clima tropical.
Resultado de uma parceria público-privada entre o gigante Bayer e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a calculadora PRO Carbono Footprint considera uma série de informações embutidas em sistema para mensurar a pegada de CO2 desde o pré-plantio até a entrega do grão ao mercado consumidor. O feito é grande, à medida que as ferramentas de cálculo até então tinham base metodológica europeia e, portanto, de clima temperado.
Informações como produtividade média da área, quantidade de insumos aplicados e volume de combustível gasto nas operações são alguns dos dados fornecidos à calculadora. Ela equaciona a pegada de carbono em cada talhão, cujas informações são lastreadas em uma metodologia com reconhecimento internacional, considerando a análise do ciclo de vida da soja. Silvia Masshurá, presidente da Embrapa, explica que a criação da calculadora surgiu por uma necessidade científica e mercadológica.
Soja livre de desmatamento
Foi a nova calculadora ‘made in Brazil’ que permitiu à multinacional Bayer entregar a primeira carga de soja brasileira com pegada de carbono mensurada, rastreada e livre de desmatamento, de acordo com protocolos internacionais do Deforestation and Conversion Free Soy (DCF). A negociação envolveu a produção de dez agricultores brasileiros localizados nos biomas cerrado e Amazônia, em uma área total de 159 mil hectares, e a trader ADM, gestora e processadora da cadeia de suprimento agrícola. Os grupos Bom Futuro, Scheffer, Masutti, SLC Agrícola, Natter, Fedrizzi e Grupo Parmeggiani são alguns dos participantes da iniciativa da Bayer.
A partir de culturas com manejo sustentável, como rotação de cultura e plantio direto, o programa registrou dados primários das áreas referentes a 240 mil toneladas de soja e contabilizou uma pegada média de carbono de 861,55 CO2 equivalente por tonelada.
A diferença é considerável quando comparada à pegada de carbono na soja com valores disponíveis nas bases de dados reconhecidas internacionalmente, cuja indicação média é de 2.600 quilos de CO2 equivalente por tonelada.
“Essas bases comparativas são uma referência para avaliar a eficiência do processo produtivo. À medida que o conhecimento científico avança, essas referências devem ser constantemente atualizadas para permitir informações mais precisas. Então, a calculadora vai travar os dados e as informações são disponibilizadas para traders, com lastro através dos volumes colhidos”, diz Fabio Passos, diretor do Negócio de Carbono da Bayer para a América Latina.
A agregação de valor que interessa
A carga de soja produzida com pegada mensurada é um interesse explícito de toda a cadeia produtiva, reflexo da pressão internacional e agravada pela assinatura do Green Deal, na Europa. Eraí Maggi Scheffer, acionista majoritário da Bom Futuro Agrícola, olha a cobrança por transparência de forma positiva, “uma maneira de separar o joio do trigo”.
“Lógico que podemos ter melhor preço por tonelada e agregação de valor através do baixo carbono. [O PRO Carbono] é um modelo ímpar com seriedade. O empresário vai se adequar por metro quadrado. A exigência lá de fora não é tão ruim assim como se imagina, pois o produtor também vai estar atento a tecnologias de maior produtividade e ter remuneração, então dentro da propriedade ele vai ser mais rentável”, diz Eraí.
Auditada pela Bureau Veritas como terceira parte independente e em consonância com análises socioambientais, as análises de dados — incluindo o que é computado na calculadora — busca atestar a não sobreposição com terra indígena ou território quilombola e unidades de conservação, condições de trabalho análogas à escravidão, lista de áreas embargadas pelas autoridades de meio ambiente (Ibama, Sema e ICMBio), além da conformidade ambiental com o Código Florestal e avaliações do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Com esse sistema de rastreabilidade via QRCode e blockchain, a expectativa é positiva também pelo lado da trader. Segundo Luciano Souza, diretor de grãos da ADM América do Sul, a commodity traz uma dificuldade maior em relação à rastreabilidade, algo que ele diz que espera ser superado com a plataforma cocriada entre Bayer e Embrapa.
“Temos condições de falar que determinada quantidade de soja em um armazém, caminhão, barcaça, navio, consegue chegar ao destino, assegurando que saiu daqui com procedência e segurança. Indústrias de alimento que demandam soja, seja no farelo ou óleo, querem da gente essa rastreabilidade. É um processo que está sendo desenvolvido do produtor à agroindústria”, diz.
Tanto Bom Futuro quanto ADM falam em agregação de valor ao grão e a expectativa de um preço superior ao que é pago em bolsas de valores. O caminho até lá ainda precisa ser trilhado, mas os passos da metodologia de mensuração e blockchain já sinalizam um bom atalho.
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