Mais de 100 pessoas, de forma presencial e online, participaram do seminário “Secas e queimadas na Amazônia: situação atual e perspectivas”, promovido pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS) na manhã desta terça-feira, 29 de outubro, e como parte da programação da Virada Sustentável Manaus 2024. A gravação está disponível de forma gratuita no YouTube: https://youtu.be/TSH3URmJ9A0.
O evento reuniu especialistas renomados para discutir os riscos de colapso ambiental e as consequências para a saúde pública na região amazônica. Entre eles, Ivo Emílio da Cruz Jung, Philosophiae Doctor (PhD) em Farmacologia; e Carlos Nobre, climatologista, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e integrante da equipe que recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em 2007; além de Virgilio Viana, superintendente geral da FAS; e Valcléia Lima Solidade, superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades da FAS.
Carlos Nobre destacou os números alarmantes de desmatamento e o aquecimento global crescente, destacando o risco iminente de um colapso irreversível na Amazônia. “A Amazônia está à beira de um ponto de não retorno (do inglês, point of no return), que é uma interação sinergística entre o aquecimento global e uma mudança na terra, potencializada pelo desmatamento”, alertou.
Na década de 90, Nobre se tornou um dos pioneiros no assunto ao divulgar em revistas internacionais, como a Science, artigos que alertavam sobre a importância do bioma para o equilíbrio ambiental. Em seus estudos, o cientista construiu cenários em que, ao invés de floresta, a Amazônia fosse pela metade composta por grandes campos de pasto. O resultado seria a existência de verões mais longos, em média de seis meses ou mais, caracterizando uma “savana tropical”.
Atualmente, as temperaturas já batem recordes e as semanas quentes são mais longas em vários cantos do mundo, inclusive no Brasil e na região amazônica. Cientistas especulam que o ponto de não retorno seja atingido até 2050, o que resultaria em uma sinergia de aceleração do aquecimento global e ondas de calor, aumento na emissão de gases do efeito estufa (GEE) e diminuição das chuvas em várias partes do mundo.
Nobre destacou ainda que os sistemas de monitoramento via satélite para encontrar o local de fogo é importante, mas se faz necessário desenvolver novas soluções para detectar, em tempo, quem incendeia a floresta. Outras medidas necessárias são mitigar o desmatamento, restaurar a Amazônia e criar “cidades-esponja”, projetadas para que a água da chuva seja mantida e absorvida no local onde ela cai através de sistemas de drenagem urbana.
Saúde pública e mental
Ivo Jung, PhD em Farmacologia, ministrou a palestra “Os impactos das queimadas e secas na saúde e bem-estar na Amazônia”, trazendo à tona os problemas que afetam a saúde física e mental da população.
“Se fala bastante da quantidade de fumaça [proveniente das queimadas], só isso já acarreta em uma gama enorme de problemas respiratórios, mas que não se resume apenas a respirar fumaça”, disse Jung.
“O problema é que quando o nosso organismo está lutando contra algo, ele fica enfraquecido para lidar com outras questões. Então, se o corpo identifica que o maior problema é a fumaça, a chance de contaminação por vírus ou bactéria aumenta enormemente”, acrescenta.
Alguns dos principais problemas das queimadas são: diminuição das chuvas e umidades, aumento de diagnóstico de doenças respiratórias, perda da biodiversidade e aumento nos custos de vida (energia, água potável, alimento, transporte). Além disso, o sistema público de saúde enfrentaria sobrecarga de casos respiratórios.
Outro ponto preocupante é a ecoansiedade, ou “ansiedade climática”, caracterizada pelo sentimento generalizado e sensação de impotência diante das mudanças climáticas. Segundo a Associação Americana de Psicologia, 25% a 50% das pessoas expostas a um desastre climático têm risco de desenvolver problemas de saúde mental.
Jung ainda destaca que, nesse cenário, as mulheres são ainda mais vulneráveis, sobretudo gestantes, mães, chefes de família e aquelas que possuem algum tipo de comorbidade. “É preciso projetos e políticas públicas específicas para cuidar desse tema”, finaliza.
Negacionismo e esperança
Ao iniciar o debate com a participação do público, o superintendente geral da FAS, Virgilio Viana, relembrou sobre outro ponto-chave: o negacionismo.
“O professor Carlos Nobre nos colocou um cenário super preocupante. A pergunta é ‘o que podemos fazer?’. A resposta veio, de um lado, mitigar as ocorrências (queimadas, incêndios florestais, desmatamento) e trabalhar a adaptação climática. A segunda [parte da resposta] é trabalhar a cooperação com os países e dos Governos na esfera federal, estadual e municipal. Por isso, precisamos estar muito conscientes de nossos votos, pois vivemos em uma democracia e, muitas vezes, fazemos escolhas erradas ao não considerar essa dimensão climática”, disse.
“Mesmo diante das evidências, ainda há pessoas que afirmam que mudança climática não existe. É muito importante que todos nós tenhamos essa consciência do negacionismo climático. […]. Hoje existe uma indústria que financia a desinformação, feita pela própria indústria do petróleo e gás. Existe, a nível global, empresas que fazem lobby e que financiam pesquisadores que se prestam a esse serviço.
E esse tema foi partidarizado, do ponto de vista político, não só no Brasil, como em outros países. Então, há partidos que não se alinham aos discursos de mudanças climáticas. Mas, conforme foi mostrado com todas as letras, isso [ponto de não retorno] foi previsto, está previsto e a Ciência continua acertando”, reiterou.
Buscando uma forma melhor de resistir às mudanças climáticas, Jung citou o autocuidado pessoal, a valorização das pequenas ações e a diminuição no consumo de conteúdo negativo.
Em sua vez, Vigilio também foi enfático ao destacar que o trabalho também parte da própria população e através de projetos sustentáveis, como o “Repórteres da Floresta”.
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