O debate é premente, arregaçar as mangas, porém, é mais do que emergencial. Para enfrentar os problemas reais do desenvolvimento na Amazônia, precisamos, mais do que nunca, de formalizar um pensamento amazônico comum ou, pelo menos, um quadro de premissas, prioridades e princípios fundamentais. Entre os princípios, devemos assinalar o provimento urgente de infraestrutura competitiva e adequada às peculiaridades remotas da Amazônia. É uma injustiça, para dar um exemplo dramático, provermos tantos benefícios à brasilidade e, por exemplo, impotentes, assistir à morte de entes queridos durante a crise de oxigênio em Manaus. Por não termos acesso terrestre, o gás que salvaria vidas chegou tarde demais para muitos pacientes. De Humaitá a Manaus, as carretas com oxigênio demoraram 6 dias, um trecho que já foi feito em 8 horas.
Amazonas e Roraima
Novas ideias e proposições exigem envolvimento ativo, gestão colaborativa de todos os interessado e revisão dos recursos gerados na região pelo setor produtivo para averiguar a contabilidade da equação entre receitas recolhidas e repassadas pela União pelos estados. Este ideário ético e administrativo, aplicado a dois dos maiores estados da Federação, Amazonas e Roraima, ambos sem acesso rodoviário, não pode ser um pensamento linear muito menos fechado e inquestionável. Deve ser aberto permanentemente ao debate sobre os direitos, demandas e urgências das prioridades e necessidades regionais. Um pensamento que se alinha com aos valores equânimes dos estatutos constitucionais do tabuleiro desenvolvimentista amazônica, inserido no cenário geopolítico do Estado Brasileiro. E de inclusão nas prioridades de prosperidade geral e sustentável das comunidades que vivem nestas duas unidades federativas.
Razões estapafúrdias
Entre as demandas de infraestrutura, que envolvem legislação, direitos e obrigações nacionais, podemos citar o vexatório caso da recuperação da BR-319. Uma estória sem agá, sentido nem justiça. Trata-se de uma conexão rodoviária, sob a responsabilidade da União Federal, largada à própria sorte há quase quatro décadas. As razões da omissão são as mais diversas, algumas estapafúrdias, incluindo justificativas que precisam ser legitimadas sob vários pontos de vista constitucionais. Esse diálogo administrativo e político deveria ter sido uma norma contínua na gestão da Amazônia. Um dia será, pois lutamos pra isso. Apesar de se tratar de mais uma negligência com prioridades da Amazônia, a propósito, foram construídas narrativas espetaculosas, fecundas em sofismas, para demonstrar uma decisão já tomada: não há interesse em recuperar a rodovia.
Estórias fantasmagórica
Só para recordar, o órgão ambiental exige, desde os anos 90, para a obrigatória recuperação da rodovia federal, estudos e relatórios de impactos nos mesmos parâmetros cobrados para a abertura de uma nova estrada na Amazônia. Foram gastos volumes absurdos de recursos para demonstrar o óbvio. A estrada funcionou durante duas décadas e, por pressões ou retaliações obscuras, interesses inconfessáveis, foi deixada à própria sorte. Foram descobertas ações para bombardear – literalmente – seu traçado para comprometer seu restauro. Entre outras estórias fantasmagóricas.
No ideário amazônico
O envolvimento de representantes do setor produtivo, social e da opinião pública é absolutamente essencial nas prioridades do ideário amazônico. A mobilização contínua é necessária para enfrentar desafios regionais e reduzir os estragos da indiferença histórica de atores federais. A iniciativa de movimentação dos diversos atores é vital para remover argumentos e crenças, muitas delas oportunistas. Uma delas é de que essa recuperação da BR-319 vai fomentar o desmatamento. Conta outra porque essa não se sustenta. Mantê-la é assumir publicamente que não há interesse do Estado brasileiro em exercer comando e controle, curiosamente, neste traçado.
TI Yanomami
Desmatamento está ocorrendo atualmente porque os atores deste crime utilizam seus velhos expedientes para grilar, depredar e toda espécie de destruição por conta da ausência da fiscalização. Foi assim que se formou a crise humanitária na Terra Indígena Yanomami, deixada ao deus-dará da omissão crescente diante do garimpo ilegal e naquela reserva. Não foi preciso estrada para a destruição. O crime faz o que precisa quando o poder se omite. Se houvesse estrada, mais facilmente a fiscalização e a proteção socioambiental ocorreria.
Proteção florestal e finalidade econômica
Finalmente, cabe aqui alinhar outro princípio ao ideário amazônico, nascido e criado pela experiência de quase seis décadas deste programa, a Zona Franca de Manaus. Um acerto de política pública baseado em política fiscal para redução das desigualdades regionais entre o Norte e o Sul do Brasil: a melhor maneira de proteger um bem natural é atribuir-lhe uma finalidade econômica. Esse princípio está ligado a outra pergunta: é mais fácil combater o desmatamento com ou sem estrada recuperada?
Nelson Azevedo
Economista, empresário e presidente do Sindicato da Indústria Metalúrgica, Metalomecânica
e de Materiais Elétricos de Manaus, Conselheiro do CIEAM e vice-presidente da FIEAM.